quarta-feira, 2 de abril de 2008

Shenmue - Porquê?

Shenmue – Porquê?


Inauguro este blog com uma reflexão muito pessoal e que de certa forma exprime um desafio: Tentar transpor por palavras o quanto esta experiência significou para mim.


Sim, o termo “experiência” é realmente o mais adequado se pretendo referir-me a este videojogo, já que para além de se apresentar como um marco revolucionário na História dos jogos de vídeo também se distancia dos demais na imersão que proporciona.



Quando em finais de 1999 comprei a minha Dreamcast, há muito que ouvia as previsões de que esta iria ser um enorme fracasso, facto que se evidenciaria aquando da chegada da Playstation 2. No entanto, apesar de todos estes presságios, existia um jogo que tinha despertado a minha atenção, mesmo antes da consola chegar ao mercado. Shenmue, um jogo produzido por Yu Susuki, o mesmo criador de Virtua Fighter, que para além de se apresentar como um dos projectos mais ambiciosos até à data no universo dos Videojogos, demonstrava potencial suficiente para se assumir como a jóia da coroa do catálogo Dreamcast. Não posso dizer que comprei a consola única e exclusivamente por causa do futuro lançamento de Shenmue, mas que foi um factor com grande peso nessa decisão, isso não poderei negar.


O ano de 2000 foi passando e as previews foram chovendo por todas as revistas da especialidade. Eram bastante unânimes na caracterização de Shenmue: um jogo inovador, portentoso a nível gráfico e que poderia vir a mudar a forma como os videojogos eram encarados. A acção passava-se na década de 80 numa vila japonesa e envolvia máfia, homicídio e todo um sistema de valores e tradições do Japão feudal. A fasquia estava muito alta e a ansiedade foi aumentando à medida que novas revelações eram publicadas. Seria Shenmue capaz de responder a todas as expectativas?


A resposta chegou em meados de Dezembro de 2000, precisamente no dia em que Shenmue foi lançado no mercado nacional. Lembro-me de me dirigir à Fnac do Colombo com poucas esperanças de o encontrar, mas um funcionário atencioso confidenciou-me de que o tinham acabado de receber. Precipitei-me para casa e passei o resto do dia embrenhado num novo mundo que acabara de descobrir. Conclusão? O jogo não correspondeu às minhas expectativas. O jogo superou a todos os níveis toda e qualquer expectativa que poderia ter!



Até esse dia o meu grande marco nos videojogos era provavelmente a saga Broken Sword, uma aventura gráfica de “point and click” que exigia bastante raciocínio e possuía uma boa dose de humor. Shenmue reestruturou todos os meus pressupostos passados e afixou-se num lugar inalcançável que ainda hoje ocupa passados pouco mais de 7 anos.


A história à partida até poderia parecer simples, Ryo Hazuki , um jovem prestes a graduar-se, chega a casa depois das aulas e encontra desconhecidos no dojo (local onde treinava artes marciais com o seu pai). Um tenebroso homem vestido com trajes tradicionais chineses, acompanhado por dois seguranças, ordena ao pai de Ryo que lhe entregue um suposto espelho. Este recusa-se e é então que o desconhecido ameaça matar Ryo se o seu pedido não for satisfeito. Por fim, o pai acaba por ceder e conta-lhe que o referido espelho está enterrado por baixo de uma árvore no jardim. Enquanto os seguranças vasculham, o impiedoso homem inicia uma luta com o pai de Ryo, acabando por lhe dar um golpe fatal. Poucos momentos depois, os capangas voltam com o espelho em sua posse e o grupo abala da residência sem mais qualquer palavra.



É neste contexto que o jogador parte para a acção, quatro manhãs depois, no papel de Ryo Hazuki. Como jovem impaciente que é, Ryo só tem um desejo em mente, encontrar os desconhecidos e vingar a morte de seu pai. No entanto não existe qualquer pista à qual se possa segurar para ir no seu encalço. Desta forma, o jogador toma o comando e parte em busca de informação pela vila de Dobuita travando conhecimento com os seus inúmeros habitantes. É neste momento que a magia acontece. Por incrível que possa parecer, alguns minutos bastam para sermos engolidos por toda uma atmosfera fictícia que acaba por se tornar bem real. Um relógio interno comanda todo o tempo do jogo, o que se reflecte na posição do sol ao longo do dia (a noite acaba por surgir por volta das 19h e vai escurecendo à medida que o tempo avança), nas condições meteorológicas (existem dias solarengos e outros bastante chuvosos; em Dezembro até é possível observar-se neve), nas rotinas dos habitantes (o merceeiro acorda de madrugada, abre o seu estabelecimento e passa o resto do dia exercendo as suas funções. Por volta das 19h regressa a casa para ir ter com a sua família) e até mesmo nos horários dos transportes públicos (são detalhes como estes que nos fazem esquecer a que mundo realmente pertencemos quando estamos imersos no jogo).


No que toca ao cenário, o detalhe é incrível, chegando mesmo a cruzar-se com a realidade em diversos pontos, já que as regiões que servem de palco à acção são fieis reproduções de verdadeiras cidades, tal como Yokosuka (Japão) no Shenmue 1 e Hong Kong e Kownloon (China) no Shenmue2. Todas as lojas estão lá de forma a satisfazer as necessidades dos habitantes: Cafés, bares nocturnos, restaurantes, lojas de roupa, cinemas, Arcade Shops, floristas, enfim… Um verdadeiro microcosmos.



À medida que a acção se vai desenrolando, Ryo vai travando amizades e inimizades com os diversos habitantes e reunindo informação que o irá levar posteriormente a compreender melhor as razões que estiveram por detrás do assassinato do seu pai. Enquanto reúne essa informação, Ryo começa a percorrer caminhos sinuosos que o levam a confrontar-se com alguns elementos da máfia local (já que a identidade do homem que matou o seu pai acaba por ser revelada num determinado ponto do enredo. O assassino chama-se Lan Di e é um dos líderes de uma organização mafiosa chinesa que dá pelo nome de Chiyou Men).


Shenmue 1 (o primeiro capítulo desta história) acaba num ponto em que Ryo terá de viajar para Hong Kong a fim de conhecer um mestre de artes marciais que fora amigo do seu pai. Posso dizer que acabei o jogo em menos de 15 dias, mas que não foi por isso que me sentei à espera do próximo capítulo. A história e a demanda de Ryo haviam-me cativado. Aquele mundo, por um lado irreal, por outro extremamente palpável, tinha-me conquistado e o meu desejo durante esse ano (e não só) foi voltar lá vezes sem conta revivendo episódios já vividos, descobrindo novos locais, conhecendo novas pessoas, retendo novas e preciosas lições de vida e acima de tudo andar livremente pelos vastos cenários sem qualquer objectivo, simplesmente desfrutando de todo aquele ambiente quase como que sentindo o vento a bater-me na pele.


Outro ponto que também me fascinou foi todo um património cultural que fui apreendendo no decorrer desta experiência, património esse adquirido através das várias interacções que estabelecemos com as personagens ao longo da narrativa e que reflecte uma conduta de valores circunscritos à cultura japonesa (e em alguns pontos também da cultura chinesa). Se observarmos este jogo através do prisma educativo, não tenho dúvidas de que serão das lições de moral exprimidas por um órgão de entretenimento mais brilhantemente executadas. Eu fiquei fascinado, e penso que é devido a esta experiência que me comecei a interessar pela cultura japonesa e a alimentar o sonho de um dia poder viajar até ao Japão.



Passado um ano, em Novembro de 2001, o segundo capítulo da saga foi lançado no mercado e a narrativa continuou de forma brilhante. A minha ânsia estava ligeiramente mais controlada do que no lançamento anterior, mas após jogar alguns segundos, acabei por esquecer qualquer tipo de contenção e mergulhei novamente no meu segundo mundo preferido (ou será o primeiro?) descobrindo novas paragens, novos indivíduos e novos momentos de prazer. O enredo foi-se desenrolando de forma perfeita e cativante, levando-me a imergir cada vez mais nos sentimentos das personagens e a adoptar posturas genuínas no desenrolar da acção…


Pode-se também referir que as pequenas e familiares vilas japonesas do primeiro capítulo foram substituídas por grandes cidades chinesas com maior azáfama e confusão, mas que não foi por esse facto que a magia se perdeu, muito pelo contrário, o conjunto acabou por sair a ganhar!


No que toca aos seus objectivos, neste segundo jogo Ryo começa a ver dissipado muito do nevoeiro que teimava em persistir à sua frente. Cada vez mais embrenhado nas teias de várias organizações criminosas, Ryo contrabalança a sua demanda entre a pesquisa e a apreensão de novos ensinamentos morais (chega mesmo a trabalhar num templo local) com a luta pela sobrevivência numa das cidades mais perigosas do mundo, Kownloon (conhecida pela sua criminalidade). Também nestas condições novas amizades são seladas e novos alvos definidos, levando o jogador a ter especial carinho por determinada personagem ou raiva e angústia por uma outra.


O desfecho deste segundo episódio leva-nos a uma região rural no seio da China conhecida por Guilin, onde a calma e a introspecção regressam acompanhados por uma nova descoberta, Sha Hua, uma rapariga que ao longo dos dois jogos foi aparecendo em sonhos na mente de Ryo.



Este segundo jogo termina no momento em que Ryo e Sha Hua descobrem um local de culto, no interior de uma mina, relacionado com o espelho que Lan Di roubara a seu pai. Um final que deixa qualquer um num enorme estado de suspense, com o desejo de saber o que se seguirá nesta trama intrincada.


No entanto, estamos em Abril de 2008 e todos os fãs desta saga permanecem nessa dúvida. Ao que parece, pertencemos a um segmento de mercado não muito representativo e os gastos de produção empreendidos na elaboração deste projecto não foram de forma alguma correspondidos nas vendas, tendo a Sega (empresa que produz o Shenmue) acabado por somar grandes prejuízos. Yu Suzuki, já foi entrevistado por diversas revistas da especialidade e já assumiu o desejo de querer ver a saga terminada, mas ao que parece ninguém consegue confirmar se realmente estão a ser executados todos os esforços para finalizar a terceira parte do jogo. Pelo menos ainda não houve nenhum anúncio oficial de cancelamento, o que já não é mau se tivermos em conta outros exemplos nesta indústria.


A nós, fãs, só nos resta esperar pacientemente como já esperámos 6 anos a fio, com a esperança latente de que a Sega não irá assassinar o melhor videojogo de sempre… Quanto a mim, continuarei a visitar vezes sem conta o meu mundo predilecto de forma a matar saudades e a repetir uma experiência que jamais irei esquecer…



Está dado o mote para a reunião de todos os fãs portugueses de Shenmue , de forma a poderem exprimir todas as suas opiniões num espaço comum e familiar… Qualquer um poderá ser membro desde que partilhe desta grande paixão! Fica feito o convite!